terça-feira, 8 de março de 2011

A COLONIZAÇÃO DO BRASIL

A Colonização do Brasil





A chegada dos portugueses a terras brasileiras em 1500 colocou em confronto duas culturas notadamente diversas. A européia que tinha em sua base cultural as monarquias, as relações mercantis e o cristianismo. A indígena valorizava a vida comunitária, a relação com a natureza e a pajelança e o xamanismo. Logo vieram também os africanos sob a condição de escravos. Formou-se nos trópicos uma sociedade original. Para os europeus e seus descendentes, reproduziu-se no Brasil seus valores e a cristandade. Para os ameríndios, a destruição quase completa de sua cultura original e o extermínio de povos inteiros. Para os africanos e afro-brasileiros, a escravidão, o racismo e a discriminação.


Texto e Contexto
“Para que prestem a utilidade desejada, as colônias não podem ter o necessário para subsistir por si, sem dependência da metrópole.”
(Do marquês de Pombal, 1776, justificando a política mercantilista e colonial.)


Os interesses econômicos orientaram a colonização do Brasil. Os portugueses aplicaram sua política mercantilista baseada em certas idéias econômicas. Na prática, o sucesso do mercantilismo dependeu dos mecanismos reguladores das relações entre colônia e metrópole. O mais importante desses mecanismos foi o monopólio comercial – o exclusivo, como se dizia na época.

Através do monopólio comercial, as colônias eram mercados fechados à concorrência estrangeira. Só podiam vender às suas metrópoles e só podiam comprar dela ou por seu intermédio.


Desenvolveu-se também a teoria do pacto colonial. Por esse pacto a metrópole tinha posse legal e plena jurisdição sobre suas colônias. Essas passavam a ser extensões da metrópole, constituindo com elas uma unidade políticas e jurídica e adotando seus objetivos e interesses.



As Capitanias Hereditárias
A expedição de Martin Afonso de Sousa, enviada em 1530, é vista como o início da colonização portuguesa no Brasil. Martin Afonso fundou a vila de são Vicente, em 1532, no litoral paulista.

Dom João III decidiu aplicar ao Brasil a solução já experimentada nas ilhas atlânticas: as capitanias hereditárias, ou donatarias. Entre 1534 e 1536, o território brasileiro foi dividido em quatorze faixas de terras, que se estenderiam do litoral para o interior. Estas foram doadas a doze capitães-donatários – fidalgos, comerciantes e funcionários pertencentes à burguesia e a pequena nobreza –, com o compromisso de promoverem seu povoamento e exploração em troca da concessão das grandes propriedades e de direitos e privilégios.


Texto e Contexto
Os forais dos donatários

“Compete mais ao capitão Criar vilas com seu termo [limite territorial], jurisdição, liberdade e insígnias, segundo o foro e os costumes do reino, onde julgar mais coveniente... Exercitar toda a jurisdição civil e criminal: superintendendo por si ou por seu ouvidor, na eleição de juízes e oficiais... No crime [processos criminais], o capitão e seu ouvidor têm jurisdição conjunta com a alçada até pena de morte, inclusive em escravos, gentios, peões cristãos e homens livres, em todo e qualquer caso, para absolver ou para condenar, sem apelação e agravo.”
(Foral entregue a Duarte Coelho, 1534. Documentos históricos brasileiros. Rio de Janeiro: MEC, 1976. p. 47.)


Outra prática era a concessão de grandes sesmarias pelos donatários aos colonos povoadores e pelo próprio governo, dando início à tradição latifundiária brasileira, de concentração da propriedade agrária, de muita terra para poucos donos.


O donatário exercia o Poder Executivo – o governo propriamente dito – e a jurisdição civil e criminal sobre índios, colonos livres e escravos, podendo até condenar pessoas à pena de morte (Poder Judiciário). Como indivíduo, ele era o proprietário de extensos lotes de terras e detinha o monopólio da produção de açúcar. Utilizava a capitania hereditária como seu domínio particular, embora houvesse a arrecadação de impostos por funcionários subordinados diretamente ao rei.


As capitanias, com exceção das de Pernambuco e São Vicente, apresentaram resultados medíocres: umas estagnaram, outras foram abandonadas e algumas nem foram assumidas por seus donos. Escassos recursos materiais e humanos, pouco empenho pessoal e pouca habilidade em lidar com os nativos foram algumas das causas do fracasso.

Em 1548, dom João III criou o governo-geral do Estado do Brasil, sendo Tomé de Souza o primeiro governador. A criação de um governo-geral visava a centralização política, administrativa e jurídica da colônia, dispondo de maior autoridade do que a dos donatários. As intenções do estabelecimento de um governo-geral eram: acompanhar, avaliar e auxiliar o desempenho das capitanias; estimular a instalação de engenhos de açúcar; promover o povoamento e a fundação de vilas; controlar as relações com os indígenas, combatendo os hostis e apoiando sua catequese; defender a terra contra estrangeiros, construindo fortes e armando os colonos proprietários. Para sede do governo, o rei indicou a baía de Todos os Santos, onde foi fundada, em 1549, a cidade de São Salvador.



As bases da colonização



A política mercantilista no Brasil privilegiou o cultivo de gêneros agrícolas de origem nativa ou trazidos de fora. As opções iniciais concentraram-se na cana-de-açúcar. Em menor escala também o fumo e o algodão, enquanto o extrativismo florestal – pau-brasil e as chamadas “drogas do sertão” – continuavam a ser largamente explorados.

Para o cultivo da cana-de-açúcar os portugueses criaram um sistema integrado baseado na grande propriedade voltada para a exportação e no trabalho escravo. Esse tipo de sistema era semelhante à plantation da colonização inglesa no sul dos atuais Estado Unidos.

Plantation – Grande propriedade agrária especializada na monocultura tropical destinada à exportação, geralmente ligada a produtos como cana-de-açúcar, fumo e algodão, cultivados com mão-de-obra escrava.


Ao lado da grande propriedade, existiram em pequena escala outras formas de organização da produção baseadas na pequena propriedade e no trabalho livre e voltadas para o mercado interno. Mas foi a grande propriedade escravista e monocultora que definiu o caráter geral da colonização do Brasil.



Escravos negros trabalhando na moenda. Gravura de Jean-Batist Debret, 1835.





Trabalho na produção de açúcar. Gravura do século XVII. Collection Roger-Viollet.



O engenho
, onde se fabricava o açúcar, era composto pela moenda, a casa das caldeiras e a casa de purgar. Na moenda, a cana era esmagada, o caldo era levado para a casa das caldeiras, onde era engrossado, o melaço daí decorrente era levado para a casa de purgar para secar e alcançar o “ponto do açúcar”. O açúcar era enviado a Portugal, de lá para a Holanda, onde passava pelo processo de refinamento para a comercialização e consumo.


Para implantar e desenvolver a atividade açucareira no Brasil, Portugal contava também com a sólida participação de banqueiros e mercadores holandeses, financiando a instalação de engenhos, aquisição de escravos africanos, o transporte do açúcar e seu refino e distribuição na Europa.

A força da agricultura canavieira colonial estava em seu caráter exportador. Tratava-se em uma economia especializada em produzir e vender via metrópole, açúcar para o mercado europeu, em grande quantidade e preço competitivo.


Embora tenha dado lucro, essa estrutura produtiva apresentou desde o começo um caráter extremamente destrutivo. No nordeste e em outras regiões, a cana-de-açúcar era cultivada de modo extensivo, ocupando enormes extensões de terras. Nas regiões onde era plantada, nenhuma outra lavoura era admitida. Tratava-se de uma cultura exclusivista. Esse tipo de exploração – a monocultura em grandes propriedades – levou à destruição crescente da Mata Atlântica e ao empobrecimento e esgotamento do solo.


No Brasil colonia, a Mata Atlântica fez parte da inspiração utópica para o renascimento do mito do paraíso terrestre. Os relatos antigos falam de uma floresta densa aparentemente intocada, apesar de habitada por vários povos indígenas.


Logo em seguida ao descobrimento, praticamente toda a vegetação atlântica foi destruída devido à exploração intensiva e desordenada da floresta. O pau-brasil foi o principal alvo de extração e exportação e hoje está quase extinto, ligando o país à destruição ecológica. Outras madeiras de valor também foram exauridas: sucupira, canela, jacarandá, jenipaparana, peroba e urucurana.


Texto e Contexto
“Sem Angola, não há negros e sem negros, não há Pernambuco.”
(Do Padre Antônio Vieira, meados do século XVII)




No nordeste brasileiro a extinção da Mata Atlântica foi total, o que agravou as condições de sobrevivência da população, causando fome, miséria e êxodo rural. Nesta região, seguindo a derrubada da mata, vieram as plantações de cana-de-açúcar.


Para o trabalho na lavoura de cana-de-açúcar privilegiou-se o trabalho escravo africano. Para a América, os africanos começaram a ser trazidos em número expressivo a partir de meados do século XVI.



Texto e Contexto
“Os escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda.”
(Do jesuíta italiano André João Antonil, Cultura e opulência do Brasil, 1711.)



A primeira experiência de trabalho escravo no Brasil foi feita com a submissão dos próprios índios. Mas revelou-se pouco eficiente em algumas regiões, pela forte resistência nativa e pela oposição das ordens religiosas e da legislação oficial à escravização indígena. A opção pelo africano se deu por algumas supostas vantagens: maior resistência física às epidemias e maiores conhecimentos em trabalhos artesanais e agrícolas. A opção pelo escravo africano se deu também para que o tráfico de escravos pudesse aumentar ainda mais os lucros. Para facilitar, nem o Estado nem a igreja católica condenavam a imposição da escravidão aos africanos.




As drogas do sertão amazônico

Enquanto no Nordeste era implantada uma ampla estrutura agroexportadora, no norte da colônia o atrativo econômico eram os produtos naturais extraídos da floresta equatorial – eram as “drogas do sertão”. Cacau, caju, castanha, urucu, gengibre, anil, guaraná, amendoim, fumo e algodão silvestre, além das valiosas madeiras e do cravo, canela, pimenta e noz-moscada trazidos do Oriente e aclimatados na região amazônica.


Abundantes e de fácil extração, graças ao conhecimento e trabalho indígena, esses produtos eram utilizados como ervas medicinais, especiarias, condimentos e gêneros alimentícios. Eles constituíram a base da economia regional e sua coleta foi grande estímulo para a penetração da Amazônia. A extração e o comércio das “drogas” estavam centralizados no Pará e no Maranhão, um negócio disputado por colonos e missionários, principalmente os jesuítas.



Comércio e tributação


As relações comerciais entre colônia e metrópole eram guiadas pelos objetivos da política mercantilista e pelos princípios do pacto colonial. Por isso, eram sempre favoráveis è metrópole.


Junto com o açúcar, segui para a metrópole madeiras, fumo, fardos de algodão, couros, especiarias, cacau, arroz, aguardentes e óleo de baleia. Grande parte dessas mercadorias era redistribuída nos mercados europeus.


Do lado da metrópole, as mercadorias vendidas à colônia eram diversificada: tecidos, roupas, calçados, ferramentas, equipamentos para os engenhos, utensílios domésticos, móveis, vinho, azeite de oliva, armas, pólvora, embarcações, etc. – além de escravos africanos.


A colônia exportava produtos primários da agropecuária e do extrativismo, a metrópole fornecia-lhe produtos manufaturados ou semimanufaturados. Esse comércio era evidentemente favorável à metrópole.


A administração dos negócios coloniais, no Brasil, na África e no Oriente, foi centralizada no Conselho Ultramarino, criado em 1643, para supervisionar a administração geral das colônias portuguesas. Em 1649, foi adotado o regime das “companhias privilegiadas” de comércio com a criação neste ano da Companhia Geral do Comércio do Brasil e, em 1682, da Companhia do Comércio do Maranhão. Além de apoio militar às frotas mercantes, as companhias de comércio respondiam também pelo fornecimento de gêneros e escravos à colônia, pelo escoamento e financiamento da produção colonial.




A sociedade do açúcar


A importância do açúcar fez da organização social das zonas canavieiras uma das expressões mais características da sociedade colonial. Agrária e escravista, ela estava organizada em torno do complexo formado pela casa-grande, senzala, engenho, capela, terras e canaviais. Era uma sociedade aristocrática, isto é, dominada por um grupo de grandes proprietários rurais. Era uma sociedade de pouca mobilidade social, na qual era quase impossível passar de um grupo social para outro.

Senhor e escravos. Militão Augusto de Azevedo, 1870.



Era uma sociedade patriarcal, além disso, centrada no poder do chefe de família rural, o patriarca. Esse homem era ao mesmo tempo dono da terra, autoridade local e senhor dos destinos dos seus dependentes, empregados, parentes e agregados, além dos escravos. O conjunto de pessoas dependentes formava a família patriarcal, uma família extensa baseada no direito masculino de primogenitura.

Além de poder econômico e prestígio social, o senhor de engenho tinha poder político e militar, mesmo não ocupando nenhum cargo público. A autoridade privada do patriarca se estendia à esfera pública.

Em relação às mulheres, no Brasil colonial, elas eram tratadas como pessoas subalternas em relação aos homens. As mulheres raramente apareciam às vistas ou iam à rua, e quando apareciam deviam cobrir com véus o rosto. Era uma atitude de inferiorização e exclusão da mulher na sociedade colonial.

Senhora transportada por escravos em uma liteira. Jean-Batist Debret, 1835.



De acordo com as regras da sociedade colonial, a mulher só deveria sair de casa acompanhada e em poucas ocasiões: para se batizar, freqüentar missas e casar.


A internação em conventos e recolhimentos femininos era comum até o século XVIII, sobretudo na Bahia e Rio de Janeiro, o que resolvia o problema dos pais preocupados com o futuro de suas filhas.

asseio e a limpeza da casa ficava a cargo das mulheres, assim como a preparação dos alimentos, o comando das escravas e índios domésticos, além de grande parte da indústria caseira como, por exemplo, a fabricação de travesseiros recheados de penas ou lã, colchões de palha, almofadas, etc.


Porém, a mulher, por necessidade, sobressaía-se na sociedade, quando passava a comandar a casa em caso de viuvez, pois se tendo filhos menores, passava a comandar a família e a dirigir suas propriedades.

A mulher pobre, livre ou escrava, era muito mais exposta na sociedade. Entre suas atividades, muitas eram domesticas, costureiras, cozinheiras, lavadeiras, ou mesmo cartomantes, feiticeiras e prostitutas. Se a mulher era livre, vivia agregada a uma família, recebendo pagamento ou presentes por pequenas tarefas. Se escrava, trabalhava para o senhor, muitas trabalhando como domesticas ou escravas de ganho.


Outro segmento social no Brasil colônia era o dos agregados. Em geral os agregados eram mestiços de português e índios, ou seja, mamelucos (do árabe, mamluk, escravo) ou escravos libertos que viviam nas grandes propriedades prestando toda sorte de serviços aos senhores: guardas da propriedade, mensageiros, etc. Entre eles também havia aqueles que realizavam trabalhos de ganho, como os escravos, vendendo vários artigos para no fim do dia dar uma parte da renda ao senhor.


O alimento principal da dieta dos colonos foi durante os primeiros séculos a farinha de mandioca, preparada de inúmeras formas – bolos, beijus, sopas, angus –, misturada à água ou ao feijão e às carnes, quando havia. Havia também outros mantimentos, sobretudo no Nordeste, como a carne-seca, rapadura e o milho.

As aves para alimentação eram caras e, por isso, utilizadas em situações especiais ou para o cuidado com os doentes com a canja de galinha.


Entre os utensílios domésticos o mais comum eram as louças de barro que se fabricava em casa. Porcelanas das Índias eram também utilizadas pelas famílias mais abastadas. Colheres e garfos eram raros entre os colonos que geralmente comiam com as mãos e no chão. Os talheres eram usados por famílias da elite em grandes ocasiões.


A sociedade colonial formou-se a partir de brancos europeus, nativos americanos, negros africanos e de uma forte mistura desses grupos étnico-raciais. A sociedade era estratificada e heterogênea. Em seu interior a posição social e as relações entre os grupos eram condicionadas pela situação econômica, por atributos de raça, cor, sexo, religião, instrução, etc., estabelecidos pela cultura dominante da elite branca. De acordo com essa cultura, os índios, além de selvagens, eram seres indolentes, preguiçosos e incapazes de assumir valores e comportamentos civilizados. Já os negros africanos foram sempre vistos e tratados como seres inferiores, de pouca inteligência, de costumes primitivos e, pior, de sangue impuro.



Texto complementar



Sobre a sociedade colonial escreveu Gilberto Freire em sua obra Casa-grande e Senzala:

“A base, a agricultura; as condições, a estabilidade patriarcal da família, a regularidade do trabalho por meio da escravidão, a união do português com a mulher índia, incorporada assim à cultura econômica e social do invasor.
Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio – e mais tarde de negro – na composição.

(...)
A sociedade colonial no Brasil, principalmente em Pernambuco e no Recôncavo da Bahia, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente à sombra das grandes plantações de açúcar, não em grupos a esmo e instáveis; em casas-grandes de taipa ou de pedra e cal, não em palhoças de aventureiros.”

(FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48ª Ed. São Paulo: Global, 2003. pp. 65-79.)

Sobre a sociedade patriarcal do Brasil colônia escreve Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil:

“Nos domínios rurais, a autoridade do proprietário de terras não sofria réplica. Tudo se fazia consoante sua vontade, muitas vezes caprichosa e despótica. O engenho constituía um organismo completo e que, tanto quanto possível, se bastava a si mesmo. Tinha capela onde se rezavam as missas. Tinha escola de primeiras letras, onde o padre-mestre desasnava [ensinava] meninos. A alimentação diária dos moradores, e aquela com que se recebiam os hóspedes, freqüentemente agasalhados, procedia das plantações, das criações, da caça, da pesca proporcionadas no próprio lugar.”
(HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 80.)

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